The Bloody Chamber
and other stories
Angela Carter
Penguin Books Ltd
Pages: 128
Apesar de o livro conter mais do que o conto que serve de título à obra, irei somente analisar o conto “The Bloody Chamber” numa exposição talvez um pouco confusa para aqueles que ainda não leram. Adianto que a pesquisa e a meditação em torno deste conto foi bastante aprofundada, por isso algumas teorias e opiniões que irei apresentar não deverão ser recebidas como rebuscadas ou fruto de uma imaginação muito fértil.
Angela Carter escreveu ou melhor reescreveu vários contos de fadas entre eles “Puss in boots”, “Little Red riding hood” e “Bluebeard”. Angela Carter focou nos seus contos o grotesco, o papel da mãe e da mulher e sobretudo a vertente pornográfica/ erótica. O conto “The Bloody Chamber” sendo uma reescrita do conto do escritor frânces Charles Pierrault “ engloba estes temas e outros.
Para quem já conhece o conto original existem algumas alterações fundamentais: primeiro existe uma terceira personagem, um moço de recados cego, que vem a ser uma das personagens com mais influência no final, segundo não são os irmãos que salvam a personagem principal, mas a mãe e por último o próprio fim acaba por divergir um pouco do original.
Sentimos logo de inicio que a personagem feminina é uma pessoa algo “corrupta”, visto que se casou com o marquês pelo seu estatuto social, embora proclame que o ama. Chegadas ao castelo onde vão passar a lua-de-mel e tomando conhecimento que o seu marido teve outras mulheres, que usavam um anel, abre-se uma nova porta na vida do marquês “every bride that came to the castle wore it, time out of mind. And did he give it to his other wives and have it back from them? asked the old woman rudely; yet she was a snob.” O marquês for a casado três vezes, sendo a protagonista a sua quarta mulher. O anel e o colar de rubis representam não só a paixão e o poder que o Marquês exerce sobre a protagonista, como também é o símbolo do seu destino e o das outras mulheres. Existe sempre uma fronteira entre o pavor que a narradora sente, mas também o fascínio pela riqueza e luxúria que o marido lhe poderia oferecer. “He made me put on my choker, the family heirloom of one woman who had escaped the blade. With trembling fingers, I fastened the thing about my neck. It was cold as ice and chilled me.” A protagonista consegue quando está com o colar sentir a morte cada vez a aproximar-se dela, sem se aperceber que o destino de todas as mulheres que usarem o colar será o da dona original: a morte. A personalidade sádica e perversa do marquês evidencia-se através do voyerismo “Our bed. And surrounded by so many mirrors! Mirrors on all the walls” e de uma possível colecção de pornografia “Have the nasty pictures scared Baby? Baby mustn't play with grownups' toys until she's learned how to handle them, must she?” Através dos espelhos o marquês consegue intimidar a mulher, contemplando-a como um objecto, mas sem esta poder retribuir. “Yet I had been infinitely dishevelled by the loss of my virginity. I gathered myself together (…)” A protagonista é aniquilada como mulher, renascendo na mesma cama que o seu marido nasceu para ser sua mulher inteiramente. Porém esta não é inteiramente livre de culpa, ela própria admite a sua culpa de se ter deixado seduzir pela luxúria. O objectivo, digamos assim, de Carter seria mostrar uma certa supremacia do homem face à mulher a nível económico.
Quando o marido é forçado a deixar a lua-de-mel em negócios e seguindo fielmente a linha original a protagonista fica em casa sozinha com um molhe de chaves, cuja mais pequena não deve nunca ser usada. Uma das advertências principais do conto de Perraults era dirigida aos maridos, para que não fizessem pedidos impossíveis de realizar às suas mulheres. Embora a chave represente uma armadilha para a jovem esposa ” I did not believe one word of it. I knew I had behaved exactly according to his desires; had he not bought me so that I should do so?”, o marquês sabe que ela irá fraquejar e descobrir a câmara secreta para depois se juntar às outras mulheres. O rio de sangue no qual as chaves caem, é o espelho do seu futuro, mas também indica que todas as mulheres perderam a virgindade com o marquês, dando pelo menos às três acesso directo à morte. Essas duas marcas (a perda da virgindade e o sangue na chave) nunca irão desaparecer, servindo como provas para a sua sentença dada pelo marquês no dia em que regressa “'My virgin of the arpeggios, prepare yourself for martyrdom.' 'What form shall it take?' I said. 'Decapitation,' he whispered, almost voluptuously.” Facto curioso este ritual de morte que evidencia não só o sadismo do marido, como também este parece ter traços de vampiro: “'My little love, you'll never know how much I hate daylight!”, “And he kissed those blazing rubies.”, a própria cara do marquês é extremamente branca. Sendo os vampiros seres sexuais e com bastante encanto a narradora não é mais que uma presa. Será a mãe quem a libertará das garras do marido, restituindo uma vida normal à filha. A imagem da mãe em “The Bloody Chamber” e em vários outros contos é uma mistura de homem e mulher. A mãe mata o marquês, quando entra, no seu cavalo, pelo pátio do castelo evitando a morte da filha. Ao contrário da filha a mãe não consegue ser corrompida e é na verdade uma personagem independente. Cabe à mãe o papel de não só salvar a filha, como restituir uma vida calma com uma terceira personagem masculina: Jean-Yves, um pobre afinador de pianos cego, que também sofre de alguns estereótipos machistas. No fim do conto temos uma importante marca de intertextualidade com a obra de Charlotte Brontë “Jane Eyre”. O contraste entre as duas personagens masculinas será mais evidenciado através da cegueira. Ambos precisam do apoio das mulheres para estas se sentirem úteis e não submissas, e no caso de “The Bloody Chamber” a cegueira pode significar impotência sexual, levando a crer que esta impotência nada mais será do que um amadurecimento da personagem principal, que não precisa mais do masoquismo.