Charles Bovary é um médico mediano, um homem simples, cujo sucesso no seu campo de trabalho nunca é suficiente para satisfazer os caprichos da sua mulher. Apesar do romance intitular-se "Madame Bovary" a obra começa com a infância de Charles e nos primeiros capítulos é a sua figura banal que se dá a conhecer. Após completar a sua formação de médico, Charles começa a exercer medicina e é chamado pelo senhor Rouault, para o examinar devido a uma fractura na perna. A fractura é bastante fácil de tratar e isso descansa um pouco o espírito de Charles, que receia sempre as suas capacidades limitadas. Retorna várias para verificar a perna do senhor Rouault e aí nota a presença de Emma - uma mulher bonita, delicada, criada num convento de freiras, onde os romances muitas vezes passavam-lhe pelas mãos clandestinamente. Cresceu a ler os livros de Walter Scott e muitos outros, sonhando com o dia em que seria arrebatada pelo amor. Charles pede Emma em casamento e a pequena aceita pensando que chegou a hora de viver as aventuras com que sonhou. No entanto depressa cai na rotina, sem nada para fazer, enquanto o marido vai-lhe parecendo cada vez mais grosseiro. O convite para um baile do marquês de Andervilliers marca uma nova etapa na vida de Emma. Começa a seguir atentamente a moda e sonha com uma vida de luxo. Quando a família muda-se Emma está grávida.
Na segunda parte do romance, já em Yonville, o ciclo de amizades do casal Bovary cresce, introduzindo novas personagens: Homais e Lhereux, personagens estas que acompanham o resto da narrativa. Homais é o dono da farmácia, homem de ciência, enquanto Lhereux é um comerciante que em muito contribui para a queda de Emma. Emma entretanto dá à luz a Berthe, a sua filha (personagem que considero mais trágica na obra) e começa a sentir-se atraída por León, um escrevente de advogado. Leon por sua vez não consegue confessar a Emma o seu amor e muda-se para Paris. Após esta partida, Emma apaixona-se por Rodolphe, um homem mulherengo, farto da sua amante, que segundo ele já está a ficar gorda de mais. Tenta conquistar Emma, tarefa nada fácil, mas sendo Rodolphe bastante persuasivo não desiste e até oferece um cavalo para ajudá-la nas suas aulas de equitação. Descontente com a transformação do seu marido, parecendo-lhe cada vez mais desagradável e provinciano, aceita a oferta. Quando se apercebe que tem um amante como nos livros que leu, Emma fica excitada e o seu humor muda. Torna-se mais simpática para todos até para Charles e para a sua filha, que desde o inicio estava entregue aos cuidados de uma ama. Mas esta relação mostra-se tão instável quanto o casamento e Emma várias vezes pensa em deixar o amante. Uma operação mal sucedida de Charles ao pé torto de Hippolyte faz com que Emma regresse aos braços de Rodolphe e pense em fugir. Esta ideia é acolhida falsamente por Rodolphe, concordando de inicio, contudo uma aventura não é um compromisso. Escreve uma carta a explicar que a "fatalidade" encarregar-se-á de destruir aquela bela relação, pois é o destino, pede a seguir para ficarem bons amigos e parte de Yonville. Quando Emma vê a carta desmaia e fica gravemente doente, quase às portas da morte durante um ano. Charles não trabalha para vigiar a sua mulher e as contas dos medicamentos começam a amontoar-se. Quando Emma recupera lentamente, Charles regressa ao seu oficio enquanto a mulher torna-se uma esposa exemplar.
A terceira e última parte representa o desfecho trágico das situações que se vão acumulando ao longo dos capítulos anteriores. Leon regressa a Yonville e encontra-se por acaso com Emma numa peça de teatro. Desiludida e magoada, Emma afasta-se de Leon, mas olhando Charles como um fracassado, rude e Berthe como uma criança feia, Emma aceita a corte de Leon e a partir daí visita-o sempre em Rouen, desconfiada sempre se alguém a visse ou reconhecesse. Também esta relação com o segundo amante acaba por torna-se tão entediante como a do casamento e sem saber ambos caem na rotina e chegam a um ponto em que não se amam, mas também não têm coragem para terminar a relação. As dívidas continuam a acumular-se e saem fora do controlo de Emma até que Lhereux apresenta uma conta de 8 mil francos. Arruinada, Emma recorre a todos para ajudarem-na a pagar pelo menos mil francos, mas todos lhe fecham a porta, ou pedem para se prostituir em troca do dinheiro. Encurralada, despida dos seus bens, toma arsénio e acaba por morrer após todas as tentativas de salvamento por parte de Charles e Homais. O funeral realiza-se com Charles sem ter noção da ruína em que se encontra. Após o enterro Charles cai em desgraça assolado pelas dívidas, até que encontra as cartas que Emma trocara com Rodolphe e acaba por morrer. Berthe ainda criança vai morar com a avó que falece no mesmo ano, sendo depois entregue a uma tia pobre e é forçada a trabalhar numa fábrica.
Apreciações gerais: É um livro bonito. A personagem de Emma é excessiva e emocionalmente desequilibrada. Existe algo no seu íntimo, que leva-nos a simpatizar a sua situação. Talvez seja o facto de sabermos que, de facto, Emma nunca será feliz com o casamento que realizou. Creio que se tivesse casado com alguém de posses, que pudesse, sem objecções providenciar-lhe todo o luxo material para substituir o afecto, Emma conseguiria disfarçar os seus desequilíbrios. Não fora por acaso que este livro tem bastantes parecenças (ou melhor "Sister Carrie" é que é parecido com "Madame Bovary") com Theodor Dreiser com o seu livro "Sister Carrie".
Ambas não conseguem apaixonar-se pelos homens, mas sim pelos bailes e pela vida luxuosa (Emma) ou pela cidade (Sister Carrie). Dei por mim várias vezes a pensar que a vida de Emma até certo ponto deveria de ser um verdadeiro tédio: não podia trabalhar, não tinha qualquer distracção ou companhia para passar os dias. Possivelmente estes dois factores foram fundamentais na apreciação geral da personagem.
Como mencionei acima, não considero Emma uma personagem verdadeiramente trágica. A sua morte foi resultado das suas acções e também do meio. Berthe é a única sobrevivente. É ela que terá sempre na memória os tempos de criança e de luxo que foi habituada, não mencionando a tragédia que é perder a mãe e o pai quase ao mesmo tempo e depois a avó. Berthe, inocente e desprovida de qualquer culpa em relação sistema criado em torno da sua família, acaba por ser a única que paga pelos erros de Emma e Charles. Provavelmente muitas mulheres achem Emma tonta, fútil e supérflua, mas de facto na época em que fora escrito e publicado não se esperava muito mais de uma mulher. Fica um registo positivo do autor.
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